Por uma política de nudistas
O furor provocado pelo dresscode de Varoufakis e o não-uso de gravata por Tsipras fazem-me pensar que a Grécia entrou em default de gravatas. A opinião pública internacional embarcou, desde a semana em que o Syriza foi eleito, obcecada pela camisa azul de Varoufakis e o fato sem gravata de Tsipras. Quando o assunto parecia começar a (finalmente) amainar, um cachecol Burberry trouxe o guarda-roupa governamental grego para um fascinante segundo acto. Do New York Times, ao Guardian, até - dentro de portas - ao Governo Sombra, durante duas semanas falou-se mais de indumentária que de política e economia. Receei por momentos que a Bibá Pitta fosse a nova editora do Expresso.
Proponho, portanto, o seguinte: quem quiser, a partir de agora, fazer política à escala europeia (nem pensar a nível autárquico, salvo seja) vai ter de passar a fazê-lo...nu. Como veio ao mundo. Sei que a ideia é imediatamente repulsiva: imaginar a chanceler alemã em corpo gentil torna ainda mais repulsivo ouvi-la. O problema será certamente resolvido quando os media começarem a mostrar as imagens pixeladas. Além disso, com o Strauss-Kahn fora do FMI, não há grande risco de escândalos sexuais.
Mas devia-se pensar nisso. Porque enquanto se andavam a discutir gravatas e cachecóis, o governo grego apresentou um plano para pagar a dívida e começar a tirar a Grécia do fosso em que se encontra. Entretanto, quando a febre da moda começou a desaparecer, a comunicação social e a opinião pública começaram a discutir o que se passava entre cimeiras do eurogrupo e negociações entre os estados-membro. A imagem que passa, e muito claramente, é a de um lado radical contra um lado moderado - tal como se esperava. O que não era expectável era que a Grécia fizesse o papel de moderado e quase todos os outros estados-membro, com a Alemanha - e Portugal (!) à cabeça - fizessem o papel de radicais.
As negociações estão a ser tensas, com imensos solavancos e quase-acordos que se desfazem. Nós vamos olhando para tudo isto como uma telenovela da TVI. Alguma solução chegará em que ambas partes salvam a face, depois do extremar de posições a que se submeteram voluntariamente. No entanto, o Syriza tem um trunfo inemesurável: é a primeira vez que um governo apresenta uma proposta alternativa à suposta paneceia da austeridade, que inquestionavelmente não resultou na Grécia nem iria resultar. O argumento da falta de alternativa acabou. Finalmente. Já era tempo. As lições que o governo grego está a dar ao resto da esquerda europeia deviam receber mais atenção - em certa medida, é pena vir de um partido conotado com a extrema-esquerda. Um partido de centro-esquerda coerente com os seus ideais teria muito mais facilidade em implementá-las, porque não precisaria de gastar metade do seu tempo a explicar que não é radical. Sobre a perda de rumo do centro-esquerda e as consequências para a esquerda e sobretudo para a democracia, o André Freire publica hoje um artigo no Público absolutamente brilhante sobre isso.
Até lá, enquanto continuamos neste triste estado de coisas, pensem na minha singela contribuição para ver se discutimos a sério: uma política de nudistas. Todos em pêlo. Mas - e adaptando a faixa mais conhecida do Joe Cocker: podem deixar as cachecóis.